As condições que afetam a saúde feminina — como a dismenorreia (dores menstruais), a síndrome pré-menstrual (TPM) e a menopausa — impactam profundamente a qualidade de
vida de milhões de mulheres em todo o mundo. A dismenorreia pode variar de um desconforto leve até dores intensas e incapacitantes, enquanto a TPM e o transtorno disfórico pré-menstrual
(TDPM) abrangem sintomas físicos e emocionais que surgem nos dias que antecedem o ciclo. Já a menopausa, uma transição fisiológica natural, é frequentemente acompanhada por
sintomas disruptivos como ondas de calor, insónia, ansiedade e alterações de humor.
Diante das limitações e dos efeitos colaterais dos tratamentos convencionais, cresce a procura por alternativas terapêuticas mais seguras e fisiologicamente alinhadas, com menor perfil de
efeitos adversos. Nesse contexto, a planta Canabis, em particular, o fitocanabinoide canabidiol (CBD), têm recebido atenção tanto científica como pública (Cásedas et al., 2024).
Fundamentos Bioquímicos: O Sistema Endocanabinoide (SEC)
- O SEC é uma rede biológica essencial para manter o equilíbrio do organismo (homeostase) regulando funções como humor, dor, memória, imunidade e metabolismo. É composto por:
Endocanabinoides como a anandamida (AEA) e o 2-AG, produzidos naturalmente pelo corpo.
• Recetores CB1 e CB2: os primeiros predominam no sistema nervoso central, modulando processos cognitivos e emocionais; os segundos estão mais associados ao sistema imunitário e à regulação da inflamação (Lingegowda et al., 2024).
• Enzimas que sintetizam e degradam estas moléculas.
O CBD diferencia-se do THC por não ativar diretamente os recetores CB1. Em vez disso, atua como modulador alostérico negativo, reduzindo os efeitos do THC e influenciando indiretamente os recetores. Além disso, interage com outros alvos moleculares, como:
- TRPV1, relacionado à dor e regulação térmica (Cásedas et al., 2024).
- PPARγ, um recetor nuclear ligado ao metabolismo lipídico e à neuroproteção, considerado fundamental em muitos efeitos farmacológicos do CBD (Khosropoor et al., 2023).
Esta ação multifacetada ajuda a explicar o potencial analgésico, anti-inflamatório e regulador do CBD. Na saúde feminina, esta capacidade moduladora é especialmente relevante, já que
recetores endocanabinoides estão presentes nos ovários e interagem com hormonas como estrogénio e serotonina.
CBD e Dismenorreia
A utilização do CBD para aliviar dores menstruais tem atraído grande interesse. Os mecanismos propostos incluem a inibição da enzima COX-2 e a ativação dos recetores
TRPV1, reduzindo a inflamação e as contrações uterinas que causam dor (Cásedas et al., 2024). Apesar disso, especialistas mantêm cautela: enquanto alguns defendem que os canabinoides
são mais eficazes em dores neuropáticas, muitas mulheres relatam melhoria significativa nas cólicas menstruais. Essa discrepância pode estar ligada à via de administração: aplicações
locais (absorventes ou supositórios com CBD) parecem atuar diretamente nos tecidos íntimos, contornando limitações da absorção sistémica.
Evidências clínicas recentes sustentam essa hipótese:
- Absorventes internos com CBD – Um ensaio randomizado avaliou 63 mulheres com dismenorreia primária e mostrou redução significativa da dor nos primeiros dias do
ciclo com o uso de absorventes internos infundidos com CBD, sem efeitos adversos relevantes (Milanova et al., 2024). - Supositórios vaginais – Um estudo com 307 participantes reportou que 72,9% relataram melhora moderada dos sintomas após um mês, subindo para 81,1% após dois meses. Além da dor, houve melhorias em irritabilidade e ansiedade (Dahlgren et al.,2024).
- CBD oral – cápsulas – Num ensaio aberto com doses de 160 a 320 mg/dia, o uso de CBD isolado reduziu irritabilidade, ansiedade e gravidade global dos sintomas após três
meses de acompanhamento (Ferretti et al., 2024).
O CBD apresenta-se assim como uma alternativa promissora para o alívio da dismenorreia, seja por via oral ou através de aplicações locais, que parecem atuar diretamente nos recetores
endocanabinoides presentes no útero e na vagina. Embora os resultados iniciais sejam encorajadores, ainda faltam ensaios clínicos de grande escala e com desenho metodológico
robusto. Até lá, o uso de CBD deve ser considerado apenas como terapia complementar, sempre sob acompanhamento médico e com produtos certificados.





